Do blog de Caio Hostílio
Três fatos históricos paralelos, ocorridos entre o fim dos anos 1970 e começo dos anos 1980, foram decisivos para moldar o perfil das facções de drogas no Rio e marcar as diferenças do crime fluminense do existente nos demais Estados brasileiros. O primeiro foi a convivência de presos políticos e bandidos comuns no Presídio de Ilha Grande, relação que ensinou os fundadores da nascente Falange Vermelha a se unirem e a se organizarem em busca de alternativas criminosas lucrativas.
O sucesso da aposta no tráfico de drogas, feita pela nova facção, só ocorreu porque, nessa época, cartéis bolivianos e colombianos buscavam contatos na América Latina para ampliar a exportação de cocaína e diversificar a venda além dos Estados Unidos. Por fim, a ampliação da rede varejista de drogas nas favelas do Rio, intensificada entre 1981 e 1986, foi favorecida pela política do governador trabalhista Leonel Brizola, que a partir de 1983 suspendeu a ação da polícia nos morros.
CV e TC. As primeiras ações da Falange foram de roubo a banco. Em 1980, o grupo conseguiu liderar mais de cem fugas que resultaram em pânico na rede bancária a ponto de forças de segurança desconfiarem da reestruturação de grupos guerrilheiros. Os bancos se defenderam com estratégias eficientes, levando os bandidos a se aventurarem no tráfico.
Com um bom fornecedor de cocaína, entre 1983 e 1986, o agora Comando Vermelho passou a dominar as bocas de fumo tradicionais, tocadas por pequenos traficantes de maconha. Em 1985, já detinha 70% de todos os pontos de venda em um grande e lucrativo mercado.
A concorrência sangrenta por territórios começa também nessa época. Em 1983, ainda no Presídio de Ilha Grande, bandidos que ficavam na terceira galeria, vindos principalmente da zona oeste do Rio, travaram uma guerra violenta com integrantes do CV. Nascia o Terceiro Comando, que optaria pelo tráfico para lucrar, se armar e disputar territórios com o CV.
Apesar das guerras contínuas, no começo dos anos 2000, relatórios do setor de inteligência da Polícia do Rio calculavam que o CV, com contatos no Paraguai, Bolívia e Colômbia, movimentava cerca de 240 milhões de dólares por ano.
ADA. A disputa por territórios ficaria ainda mais acirrada em 1994, quando ocorre aquela que é considerada uma das maiores traições no mundo do crime carioca. Orlando Jogador, líder do CV no Complexo do Alemão, é assassinado por Uê por causa de rixas ligadas a mulheres. Depois do homicídio, Uê cria os Amigos dos Amigos (ADA) no Morro do Adeus, vizinho do Alemão, e inicia uma batalha que vai durar até setembro de 2002. Ele consegue um bom fornecedor de cocaína e apoio de bandidos importantes como Escadinha, do Morro do Livramento.
A honra de Orlando Jogador foi lavada por Marcinho VP, que era seu antigo ‘fiel’, espécie de ajudante de ordens, e foi acusado de assassinar Uê. A força e a mística de VP no Comando Vermelho cresce nessa época. Foi VP que mandou ordens de dentro do Presídio de Catanduvas, orientando FB a iniciar os ataques que deixaram o Rio de Janeiro em pânico.
UPP. As rixas violentas entre o CV e a ADA foram revistas depois que as UPPs se instalaram nos morros do Rio de Janeiro. A queda no movimento no comércio de drogas, acentuada com a chegada da polícia, levou os antigos inimigos a se unirem. O Complexo do Alemão e a Vila Cruzeiro, para onde fugiu grande parte dos traficantes expulsos, são considerados quartel-general do CV. A Rocinha, que até 2003 era dominada pelo Comando, hoje é reduto e principal fonte de lucro da ADA. As facções se juntaram para lutar contra o Estado.
E poucos arriscam a prever os próximos capítulos da história…
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