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Entre gregos e jamaicanos…

Grecojamaicanos, ilustração do design Peron

Por Antonio Carlos Lima

Por razão alheia ao seu propósito, o jornalista, escritor e historiador João Francisco Lisboa talvez seja o principal responsável pelo título com o qual São Luís passou a ser distinguida, desde meados do século XIX, nos círculos cultos e esclarecidos do País, e que tanto incômodo e desassossego provoca até hoje em certas rodas de maranhenses.

Ao adotar o heterônimo de Tímon, um rico e abnegado cidadão ateniense que, de tanto testemunhar as fraquezas e iniquidades dos seus contemporâneos, passou a devotar ódio e desprezo à humanidade, Lisboa pretendia, na verdade, apenas pintar os costumes do Maranhão do seu tempo, “encarando o mal sobretudo”, e não exaltar as supostas virtudes dos seus conterrâneos, comparando-os aos gregos.

No Jornal de Tímon, publicado pela primeira vez em 1852, ele traça, com erudição, amargura e refinado humor, um retrato nada lisonjeiro de seu povo, “pequeno e obscuro, sim, se o comparamos com tantos outros, porém o maior, e o mais celebrado que pode haver, para um grego nascido e criado nas históricas margens do soberbo Itapicuru”.

A comparação com Atenas era, como se vê, pura ironia.

Mais tarde saudado por Antonio Candido como “um dos publicistas mais inteligentes do Brasil,” e por José Veríssimo como “o mais poderoso escritor brasileiro, prosador dos mais originais, copiosos, puros e elegantes da nossa língua moderna”, ele ignorava estar contribuindo, com os seus escritos demolidores e seus estudos históricos, para a justificação do título que mais tarde seria conferido à sua província.

O título, “Atenas Brasileira”, conservado na historiografia literária brasileira,foi, por assim dizer, uma homenagem a Lisboa, o Tímon maranhense, a partir da constatação, lá fora, de um fenômeno aqui operado após as lutas pela Independência. 

Território durante dois séculos apartado do Estado do Brasil, até então pobre e sem literatura,o Maranhão passara, repentinamente, a ocupar lugar de proeminência na vida cultural de um país agora autônomo.

Além de Lisboa, cuja figura imponente, segundo Sílvio Romero, era “suficiente para iluminar uma época inteira”, causavam espanto e admiração, Brasil a fora, entre outros, o poeta Antônio Gonçalves Dias, considerado depois o poeta da nacionalidade;o erudito Odorico Mendes, que traduziu Homero e Virgílio para a língua portuguesa;o gramático e crítico Sotero dos Reis; e o matemático Gomes de Sousa, ainda hoje reverenciado nos círculos acadêmicos.

“Nunca mais se reuniu no Brasil, nem mesmo na capital (o Rio), onde todos trabalham dispersos e separados, um igual grupo literário, notável pelo talento, pelo saber e pela variedade das capacidades”, escreveu Veríssimo, referindo-se àquele período de pouco mais de quarenta anos.

Enquanto Atenas, em dois séculos, moldou todo o caráter da civilização ocidental, os “atenienses do Bacanga e do Anil”, mais modestamente, no curso de quatro décadas, surpreenderam um país em formação com uma explosão rara de criatividade e talento.

A comparação que se estabeleceu com a Atenas do misantropo Tímon, emulado por Lisboa, era, sem dúvida, produto do exagero retórico de uma época em que o romantismo tupiniquim ainda flertava com a antiguidade clássica.

Mas se impôs no tempo em função do valor incontestável da contribuição do Maranhão à cultura nacional, que continuou a ser oferecida em outros momentos, evidentemente sem oimpacto causado por aquela geração que se extinguiu nos 60.

À época não faltaram, como hoje, os que contestaram não o fenômeno, mas o título, por julgarem-no pretensioso e imerecido.

Um livro de crítica, do bacharel Frederico José Correa, publicado em 1878 e pela primeira vez reeditada em São Luís, em 2015, pela Pitomba Livros e Discos,  é a primeira crítica contundente à Atenas tropical.

A segunda veio de voz mais conhecida, o escritor Aluísio Azevedo.

Ressentido, magoado com os seus conterrâneos pelos ataques sofridos quando da publicação, em São Luís, em 1881, de O mulato, ele escreveu, dois anos depois, no Rio, um texto demolidor contra a sua “paupérrima província que, por um abuso de retórica, ficou classificada de Atenas brasileira”. 

Mas lamentou que “todos ou quase todos esses vultos maranhenses cujos nomes são repetidos com amor e respeito, e cujo talento flameja, ora na imprensa, ora na ciência, ora na literatura, nunca receberam da sua província a menor simpatia”.

Agora, mais uma vez, eleva-se,no ambiente acadêmico de São Luís, o coro dos antipáticos ao título, que seria fruto da pretensão da elite letrada de uma sociedade escravocrata, constituída em sua maioria por analfabetos.  Ademais, os ilustres atenienses não teriam o valor apregoado.

Ora, elitista e escravocrata foi a verdadeira Atenas, que, não obstante, produziu na arte, na literatura, na ciência e na filosofia uma assombrosa torrente de obras-primas que fixaram os padrões gerais da nossa civilização.

Quanto à contribuição do Maranhão para a cultura nacional, consultem-se os livros sobre história da literatura e formação da nossa nacionalidade.

Estranhamente, os que investem contra o inofensivo epíteto de “Atenas brasileira” não sentem o menor incômodo com o título de “Jamaica brasileira” que a cidade passou a exibir, por todos os meios e modos, em função do gosto de parte da população pelo reggae, a música jamaicana que, há quatro décadas, invadiu São Luís pelas ondas do rádio.

O governo, com os olhos na indústria do turismo, já está até implantando um Museu do Reggae!

Eu, pessoalmente, entendo que a cidade pode, sem problema, conviver com as duas denominações, a primeira remetendo aos seus intelectuais e artistas, de ontem e hoje, a segunda, escancarando o fenômeno da insuspeitada identificação do são-luisense com  o reggae  e a  Jamaica, relação de tal modo explícita que as cores da bandeira jamaicana são hoje mais populares na periferia de São Luís do que as cores das bandeiras do Brasil e do Maranhão.

Meu único receio é o de que, diante de tanto prestígio do reggae, alguém tenha a infeliz ideia de substituir, na Praça do Panteon, os bustos dos nossos maiores pelas estátuas de Bob Marley e Jimmy Cliff.

É uma pena que João Francisco Lisboa não mais esteja entre nós.

Com sua pena mordaz, ele iria hoje saudar os modernos jamaicanos e atenienses, os quais,“como é claro e notório ao mundo inteiro, tanto desbancam os antigos na graça, no espírito, na liberalidade, na munificência, e em todos os mais dotes que caracterizam um grande povo”.

Parabéns, São Luís!

* jornalista. (email: [email protected])

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Trailler de “Glamour…” ganha destaque na TV do aeroporto…

Aeromídia, que cuida da publicidade no Cunha Machado divulga o extrato promocional do filme maranhense, em área de forte movimentação turística

 

O trailer já está sendo exibido dede a manhã desta quarta-feira, 6, chamando a atenção, sobretudo, de quem chega para o feriadão em São Luís

 

Já está em transmissão contínua no sistema de TV do aeroporto Hugo da Cunha Machado o trailler do filme “Glamour – Glória e Tragédia”, produção maranhense de autoria do titular deste blog.

A parceria com a Aeromídia, responsável pelo sistema do terminal garante veiculação 24 horas por dia em uma das áreas de intensa circulação de turistas.

O destaque do filme chama atenção no saguão do Aeroporto Cunha Machado, destacando as belezas da capital maranhense

Além de familiarizar o futuro espectador com o roteiro do filme, o trailer destaca a exuberante fotografia do carioca Carlão Limeira e do  paraense Lucas Moraga, focada nas belezas de São Luís.

É uma forma também de familiarizar quem chega com a cenografia da capital maranhense, sobretudo nesta semana de aniversário.

“Glamour – Glória e Tragédia” tem estreia marcada para 18 de outubro, no Cine Praia Grande…

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Sobre cuxá e bobó de vinagreira…

Muita gente em São Luís confunde as duas iguarias típicas e acaba servindo um pelo outro; foi o que aconteceu com a Pizza Ludovicense, da Pizza One, que começou tendo borda de cuxá e hoje é servida apenas com bobó

 

DUAS TEXTURAS. O da esquerda é o cuxá, mais cremoso, cozido até o ponto de fervura; o bobó é o da esquerda, apenas vinagreira picada e refogada

Há uma diferença básica entre o verdadeiro cuxá – iguaria típica maranhense, que marca os principais pratos da culinária local – e o bobó de vinagreira.

O bobó é aquela massa de vinagreira simplesmente amassada, moída e picada, servida após ser refogada. O chamado arroz de cuxá seria, na verdade, arroz de vinagreira, porque leva bobó, não cuxá.

Já o cuxá, mais tradicional, é um caldo encorpado, uma espécie de pirão, preparado com vinagreira cozida misturada a uma farofa que leva camarão seco, gergelim e cebola socados em pilão de madeira.

Muita gente no Maranhão serve bobó como sendo cuxá, por falta de conhecimento. Até chefes e publicações especializadas que tratam o bobó como cuxá. Estão errados.

Outros o fazem por economia, tentando passar a perna em paladares incautos.

OUTRA RECEITA. A pizza ludovicense, que começou servida com cuxá e hoje tem apenas bobó em sua borda

É o que parece ter acontecido com a premiada Pizza Ludovicense, da Pizza One, uma das mais inovadoras pizzarias de São Luís.

Criada há quase 10 anos, a Pizza Ludovicense é um disco de massa recheado com camarão, que começou a ser servida, lá atrás, tendo a borda recheada com o verdadeiro cuxá. Foi assim que ela ganhou prêmios.

Hoje, porém, a Ludovicense vem com bobó no lugar do cuxá.

A mudança na receita pode ter ocorrido, também, por troca de pizzaiolos, mas é preciso deixar claro que a pizza ludovicense da premiada Pizza One, hoje, não tem mais cuxá na borda. Tem bobó, o que muda completamente o paladar.

Para entender a cultura gastronômica maranhense é preciso saber diferenciar claramente o cuxá do bobó, caso contrário, poderá se servir o segundo no lugar do primeiro, o que é um sacrilégio.

É como servir arroz coberto de torresmo no lugar do também tradicional arroz de toucinho.

Mas esta é uma outra história…