Debate sobre a legitimidade da candidatura negra de Fábio Câmara a prefeito de São Luís escancara como formadores de opinião tentam limitar a condição de raça ao capacitismo e expõe a forma como os chamados membros da elite privilegiada tentam evitar o debate de cor por que esperam manter tudo como sempre esteve; e já se vão 412 anos sem que a capital maranhense tenha elegido um único prefeito preto
Ensaio
Na semana que passou, o candidato do PDT a prefeito de São Luís, Fábio Câmara, foi – dentre os concorrentes às eleições de outubro o que mais ocupou a mídia – após protagonizar evento na sede do partido em que apresentou a chapa de pré-candidato a vereador ao presidente da legenda, senador Weverton Rocha; mas a abordagem da candidatura de Câmara na imprensa – sim, ele é preto! – ainda é permeada pelo preconceito e pela necessidade da classe branca privilegiada de manter enjaulado qualquer discurso de afirmação de cor e raça sobre conquistas na sociedade.
O ponto alto de mais este exemplo do racismo estrutural e – muito mais que isso – a ojeriza que um branco tem de debater a questão do preto, ocorreu no programa Xeque-Mate, capitaneado pelo jornalista Matias Marinho – branco-padrão-hetero-cisgênero.
– O grande erro dos políticos hoje é tentar falar de si – foi exatamente assim que Marinho começou a falar sobre o fato de Fábio Câmara ser o único candidato preto na disputa em São Luís, questão brilhantemente trazida pelo jornalista – também branco! – Marcelo Vieira
Ora, por que o prefeito Eduardo Braide (PSD) pode falar de si, o deputado Duarte Júnior (PSB) pode contar sua história e Fábio Câmara não pode? Por que ele é preto? Por que dizer que é preto é mimimi?
Matias continuou a ironia chegando a dizer que Marcelo Vieira estava “zangado com os pretos” por que, segundo ele, não votam em Câmara só por ele ser preto. E continuou:
– Quando eu falo é da história. Não estou falando de lugar de fala, estou falando da história de luta que ele não tem – afirmou o jornalista, repetindo o discurso branco, histórico, de reduzir qualquer negro que tente se impor a partir da cor da pele.
Marcelo Vieira contrapos o argumento com um raciocínio lógico:
– O argumento está errado: [a história] não serve pro preto, mas serve pro branco? É uma lógica equivocada: um preto não vota em um cara que é preto por que ele não tem essa raiz, mas vota no Braide que não tem e nunca terá legitimidade alguma com o preto? Uma lógica que não serve pro preto, mas serve por branco?!? “Ah, ele não tem história, ele não tem legitimidade!” E o branco tem? E Braide tem? e Duarte tem? –apontou Marcelo Vieira, em um argumento que deveria ser usado em todo o debate eleitoral, em todos os níveis, em todos os aspectos.
Mas, à exceção de Marcelo, deste blog Marco Aurélio d’Eça (Relembre aqui, aqui, aqui e aqui) e de outros pontos brancos em São Luís – em todos os níveis – ninguém quer discutir o preto, ninguém quer dar espaço pro preto, ninguém quer saber quem é preto; e esse “empurra-pra-debaixo-do-tapete” acaba influenciando os próprios negros, sobretudo os que conseguem ocupar um espaço e são impelidos ao capacitismo, a achar que conseguiram por seus próprios méritos e isso basta.
O próprio Weverton Rocha – hoje no Senado, espaço de brancos, com os quais convive diariamente – acha que o debate sobre preto “é só um detalhe” e que Fábio precisa debater é a cidade.
Não, senador! Não é só um detalhe! É o principal detalhe na campanha de Fábio Câmara. Sim, Fábio Câmara é preto, senador! Como o senhor!
O debate sobre a cidade já é inerente à disputa pela prefeitura, e todos apresentam suas propostas em documento; o que precisa ser discutido são exatamente os detalhes de cada candidatura, o por que votar em candidato A ou B. Isso é o que importa, Weverton
Sim! Fábio Câmara é preto! Ele é um candidato preto a prefeito de São Luís. Ponto.
Tentar desqualificar sua condição de cor com a justificativa de que ele não tem legitimidade para representar o povo preto, é tentar por os negros novamente em uma jaula; especificamente nesta eleição, se Fábio Câmara não tem legitimidade para representar o povo preto – que chega a quase 80% do eleitorado – então o negro estará fora do debate eleitoral.
Afinal, se Fábio Câmara não tem história com negros, sendo negro, quem terá? Os brancos cisgênero-hetero-padrão e privilegiados Eduardo Braide e Duarte Júnior, como levantou Marcelo Vieira?
Este é o debate que Fábio Câmara precisa trazer para a cidade de São Luís, que nunca elegeu um prefeito preto em seus 412 anos.
E, sim, ele é preto!!!